29 de mai. de 2012

O dia em que os turcos foram derrotados às portas de Viena…

Em 1683 as tropas otomanas foram derrotadas pela Santa Liga nos arredores de Viena. Esse combate, que colocou de um lado os exércitos do Sultanato e do outro uma aliança formada por reinos cristãos germânicos, foi fundamental para impedir a expansão do Império Turco na Europa. Aliás, muito mais do que isso, na mentalidade da época,  a vitória dos europeus significou a derrota dos “infiéis” muçulmanos pelas espadas “cristãs”.

Esse momento foi tão significativo que no interior da Basílica de São Pedro, no Vaticano, foi construído um monumento a Inocêncio XI, o Papa que ajudou a mobilizar os exércitos contra os “inimigos” da Cristandade. E, bem, foi um tanto quanto curioso ver aquela estátua depois de ter passado três meses vivendo entre palestinos muçulmanos. Afinal, durante meu período por lá não vi nada que indicasse o mínimo conflito entre Islã e Cristianismo; visitar a Igreja da Natividade em Belém, por exemplo, é mais fácil do que comprar falafel, e Jesus Cristo é um dos profetas mais respeitados entre os seguidores de Maomé.

De alguma forma, no entanto, a mentalidade “Batalha de Viena” não morreu. Sempre somos nós contra eles, e eles contra a gente, numa batalha cultural pela primazia do mundo. Basta pensar nas Cruzadas, ou mais recentemente nos ataques às Torres Gêmeas em Nova Iórque:  em ambas as situações embarcamos numa generalização inexplicável, como se tudo se resumisse à luta entre modernos e democráticos cristãos, filhos do Ocidente, contra atrasados e autoritários muçulmanos, vassalos do Oriente.

Realmente, nada pode ser pior do que uma generalização abobada, ainda mais quanto essa se presta a justificar uma suposta superioridade de uma certa “cultura” sobre outra. Interações ocorreram e ocorrem ao longo da História, colocando um grupo em contato com o outro, num processo que, por meio de contribuições mútuas, desenvolve e por assim dizer modifica a forma corrente de vermos/pensarmos o mundo. Os gregos, por exemplo, aprenderam muito com as culturas mesopotâmicas (corriqueiramente consideradas “orientais”), ao passo que os árabes, posteriormente, se aproveitaram muito da filosofia desenvolvida pelos mesmos gregos. A ideia do Ocidente como espaço da democracia também pode ser colocado em xeque quando pensamos nos diferentes tratamentos dispensados a árabes e judeus residentes em território israelense.

 

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Mesquita decorando um palácio do Rei Ludwig II na Bavária

Alguns podem se vangloriar que o cristianismo bloqueou a influência árabe às portas de Viena. Hoje, no entanto, elas se fazem mais do que nunca presentes na Europa, seja por meio de lojas que vendem kebabs ou por via de museus que expõem obras tomadas pelos exércitos imperiais no Oriente Próximo e no norte da África. Generalizamos como inferior, mas ao mesmo tempo é inegável que admiramos a riqueza das mesquitas e nos encantamos com a riqueza da cultura que vem para lá do Bósforo.

A estátua de Inocêncio XI pode estar na Basílica de São Pedro celebrando o que quer que esteja, mas a ideia de autossuficiência e superioridade que ela passa é completamente absurda.